sexta-feira, agosto 25, 2006

Tal como todos, tento evitar ao máximo a rotina. Mas mesmo assim, não consigo deixar de criar pequenos hábitos de todos os dias. Como observar.
Sou um voyeur confesso. E todos os dias, quando me sento no metro para ir trabalhar, observo cada uma das caras que me rodeia. Reparo até à última prega de pele de cada uma das expressões de cada uma das faces que me rodeiam. Imagino as histórias por detrás daquelas expressões. Imagino as vidas daquelas faces. Depois da primeira análise, foco-me então em duas ou três. Construo uma história à volta dos seus olhares. Crio uma rede em redor daquelas pessoas e elas não fazem sequer ideia de que são para mim personagens centrais de alguma novela.
Por vezes perco-me nas minhas próprias narrativas. Os meus companheiros de viagem olham-me de lado, quem sabe também eles tecendo histórias comigo, interregando-se sobre o meu olhar perdido, vago, longínquo.
E o mais estranho acontece quando os personagens principais se repetem no mesmo dia, em viagens completamente distintas. As histórias mudam completamente, formam-se sequelas, criam-se razões para as repetições dos personagens.
Quem sabe um dia não escrevo uma das histórias que levo no metro.

terça-feira, agosto 22, 2006

Adoro a sensação de ter a chuva a correr pela minha cabeça, sem qualquer protecção. É a típica cena de cinema em que o gajo herói se reencontra debaixo de uma tromba de água.
Quem diria que essas coisas que vemos nos filmes acontecem mesmo? Confissões de um reencontrado.
Ainda bem para mim que chove. Pelo menos na minha cabeça.

sexta-feira, agosto 18, 2006

Por vezes, quero escrever e não consigo. Outras, prefiro não conseguir.
Gosto deste poder de decisão sobre aquilo que o meu cérebro e a minha alma querem fazer.
Detesto quando não o consigo exercer. Como hoje.

quinta-feira, agosto 17, 2006

Não é engraçado como todas as alturas boas, e quero dizer mesmo muito boas, parecem sonhos distantes na nossa memória? Sinto isso. Revejo os episódios que me marcaram e cada um deles não passa agora de um filme realizado pelo meu cérebro. Lembro-me de todas as cenas, mas por vezes um ou outro pormenor escapa e algumas das cenas deixam de fazer tanto sentido, tal como num sonho.
Tal como num sonho tudo nos parece distante, irreal. Quase como se não quisessemos acreditar que aquilo que realmente vivemos e que tão importante foi para nós tenha acontecido. Porque se aconteceu, então foi real. E a realidade, ao contrário daquilo que aqueles momentos muito bons nos dizem, não é perfeita. Então o lado silogístico do nosso cérebro conclui por A + B que aquilo que existe na nossa memória, só existe dessa maneira, e tudo aquilo que sentimos não passa de um sonho.
Porque uma das grandes tragédias do ser humano é acreditar que não existe felicidade, que tal sentimento, de tão ridiculamente prefeito que é, só pode ser utópico e logicamente inexistente. Então levamo-nos automaticamente a acreditar que não temos nunca momentos de felicidade, apesar de nos lembrarmos deles.
O medo da perfeição é talvez o que nos torna imperfeitos. Apagamos então qualquer momento perfeito da nossa existência da memória só para nos sentirmos mais humanos.
Prefiro ser feliz.

domingo, agosto 13, 2006

E é num quarto escuro que vejo a penunbra das tuas formas. O verbo utilizado é talvez um exagero; pressentir é provavelmente muito mais adequado à situação em questão.
Ouço o arfar do teu peito e no sob e desce das tuas curvas os meus olhos perdem-se. Estou absolutamente hipnotizado. Irónico, não? Um céptico finalmente rendido aos fenómenos inexplicáveis à sua compreensão mortal.
No teu beijo carregas toda a paixão e desejo que nem sequer tu consegues esconder. Sinto cada mililitro de fluído no meu corpo correr cada vez mais velozmente ao ritmo descompassado daquele músculo, suposto vermelho, que tem por função bombear alimento para todas as células de todo o corpo.
E como ele é belo. O teu, obviamente. Queria ser alguém nesta vida para conseguir encontrar as palavras que o teu corpo merece. Se é que as há.
Tudo em mim se contrai ao sentir o leve roçar do teu toque. Só a idéia de que a cada segundo estás mais perto de mim é suficiente para me levar ao Nirvana procurado por todos os hindus que conheço. Felizmente, eles não te conhecem a ti.
Os nossos corpos colados tornam-se então num só; as nossas respirações cantam em uníssono; os nossos movimentos não se distinguem; a minha boca não larga nem quer largar a tua; as minhas mãos percorrem os poucos centímetros da tua pele que a minha não consegue cobrir.
A minha sede de ti é incontrolável, bem como todos os músculos do meu corpo que são agora propriedade do teu. Fazes o que queres de mim e eu quero mais. Este tipo de momentos, por mim e por ti, durariam para sempre.
E duram, sem dúvida, nos nossos corações. Mas agora meu amor, agora, é hora de nos entregarmos um ao outro e ao repouso, agarrados a noite toda, unos, com a mesma respiração, os mesmos movimentos. Sou teu.

sábado, agosto 12, 2006

Vejo fantasmas. Abro os olhos e à minha frente espectros de quem já não anda entre os vivos assombram-me. Quase transparentes, tal como aqueles filmes irritantes dos Ghost Busters nos faziam acreditar, mas apesar de tudo conseguimos distinguir as suas feições, as suas formas, as suas roupas.
Se fechar os olhos, consigo sentir o arfar de quem não respira; os movimentos que as caixas toráxicas fantasmagóricas fazem ao tentar inspirar aquele gás que jamais lhes dará de novo a vida. Em vez do som que normalmente se ouviria quando alguém respira, ouve-se algo semelhante a um grito solitário num buraco cavernoso abafado por um pano num bocal de telefone.
Quando aqueles espectros nos atravessam, sentimos o gelado que nos dizem que devemos sentir nos filmes. Não sei se será essa a sensação real ou apenas a sugerida pela nossa imaginação. Nem tenho maneira de saber. Agora o arrepio, esse sim, é real.
As vozes com que nos falam são absolutamente naturais. Nada daquelas palhaçadas Hollywoodescas de sons guturais e alongados com muitos "uuuuhhh's" pelo meio. Pior, falam-nos como se fossemos nós mesmos. Relembram-nos constantemente aquilo que fizemos. Seja bom... Não, nunca nos relembram o bom... seja mau. Esse sim, é-nos sempre relembrado numa assombração maior que a dos espíritos.
E enquanto estou aqui sentado a escrever isto, tenho cinco sentados à minha volta, em silêncio para não perturbar o movimento ritmado das minhas mãos no teclado. Olham fixamente para mim. Olharão até eu me juntar a eles, olhando para outro qualquer.
Todos vemos fantasmas, mais vale aprendermos a viver com eles.

sexta-feira, agosto 11, 2006

O que é, afinal, o passado? Uma continução do presente e do futuro? Um flashback? Porque pode não ser mais que simples recordações.
E se de recordações se tratam, porque se atrevem elas a atormentar o presente? Pior, porque nos atrevemos nós a permiti-lo?
É talvez a grande sina da humanidade e o aquilo que para sempre nos há-de perseguir. The past é provavelmente aquilo de que todos temos medo.
Eu sei que tenho. Não tanto do meu, que o conheço de trás para a frente e por todos os lados, mas o dos outros, daqueles que me são próximos e que me dizem algo.
Isto porque sempre temos tendência para ignorar o passado dos outros. E é sempre um choque quando sentimos o passado alheio intrometer-se no nosso presente. Porque somos limitados ao presente. Apenas nele acreditamos. Não existe futuro para quem não consegue encarar o passado.
E enquanto não conseguirmos aceitar que o passado faz parte do presente, não seremos capazes de o viver. Eu sei que quero.

quinta-feira, agosto 10, 2006

Em dias como hoje, gostava de ter um vício para poder esvaziar a mente a cada gesto que fizesse para o alimentar.

Guess what? Tanta coisa que quero dizer e nem uma palavra consigo escrever. A tragédia dos limitados.

quarta-feira, agosto 09, 2006

Embalado pelo cheiro do álcool e também pelos seus efeitos, ele começa a escrever. Uma a uma, vai carregando nas teclas do seu computador portátil. Uma a uma, vão-se formando palavras no seu monitor. Depois, frases, parágrafos. Por fim um texto completo que nem o seu autor sabe do que trata.
Desde sempre que quisera ser um escritor. Pelo menos desde que pela primeira vez sentiu o gosto de criar algo com palavras. E desde sempre o tentara. Mas tudo o que escrevia acabava por ficar sempre algo aquém daquilo que pretendia ter escrito. Talvez fosse o seu lado auto-censor que acabava sempre por sabotar tudo o que imaginava. Talvez fosse o seu espírito criativo que estivesse sempre à sombra das grandes obras que lera. Muito provavelmente era simplesmente o seu medo de falhar.
Há pouco tempo atingira-o um daqueles bloqueios de escritor que tanto se ouve falar nos filmes. Passou bastante tempo sem escrever nada. E sem escrever nada se sentiu mais perto de ser escritor. Descobriu então o que a palavra significava.
Escritor não é a pessoa que escreve um livro. Não é alguém que escreve um poema. Não é alguém que gosta de escrever. Escritor é alguém que tem bloqueios de escritor. Pelo menos pensou assim para se defender da realidade, durante algum tempo.
Um dia, embalado pelo sabor de um martini, chegou a nova conclusão sobre o significado da palavra. Escritor é alguém que está permanentemente sob a influência de álcool enquanto escreve as suas obras primas, pensou. E enquanto pensou isto sentiu-se bem ao olhar para o seu copo quase vazio de martini. Quando a bebida acabou, percebeu também que ser escritor não tinha nada a ver com isso.
Num dia qualquer, atingiu-o aquilo que ser escritor deveria querer dizer. Percebeu finalmente que ser escritor nada tinha a ver com o facto de se sofrer das mesmas maleitas que os ditos sofrem, nem de beber os mesmos líquidos que eles bebem. Percebeu que ser escritor era viver a vida como um livro; ver tudo como se a vida estivesse descrita por palavras; descrever mentalmente cada momento vivido e cada emoção sentida; rodear-se das suas personagens favoritas para conversar; viver as aventuras para poder contá-las a alguém. Percebeu finalmente que para ser escritor, é preciso viver.
Então, nesse dia, escreveu. Mas manteve o copo de martini ao lado, just in case.

terça-feira, agosto 08, 2006

O que cai do céu não é chuva. É pior. Mais triste, por muita tristeza que a chuva possa um dia carregar. Tão triste que é o luto que cai, cobre toda a gente e tudo o que se deixa apanhar desprevenido.
Negro. Tudo passa a negro quando se deixa cobrir de cinza de qualquer alma queimada. De tantas almas tocadas pelo fogo.
Fogo que pode não ser mais que um simples fenómeno visual provocado pelas altas temperaturas nalgum objecto inflamável. Ou que pode não ser mais que o fenómeno impossível de ser visto que acontece depois do espírito ter estado sujeito a elevadas temperaturas emocionais devastadoras.
Depois de um ou do outro, o vento leva o que resta. As cinzas que acabam por cobrir tudo o que apanham no seu caminho.
E quando a cinza cai... Quando a cinza cai é triste.

segunda-feira, agosto 07, 2006

E no princípio tudo era silêncio. Isto se se considerar silêncio todos os barulhos que fazem parte daquilo que se chama de Natureza. Sempre quis saber o que isso é.
Depois, tudo deixou de ser silêncio. Os barulhos não naturais apareceram. Ou talvez os mais naturais de todos. Respiração.
Abro os olhos. Tudo, depois de ter sido silêncio, passou a ser claro. E esverdeado, mas a Natureza não tem culpa disso.
Abrir os olhos. Um pequeno movimento para uma parte do corpo, um grande movimento para um homem, sem querer roubar frases ensaiadas a ninguém, principalmente se em frente dele estiver uma mulher.
Quem sabe a mulher da sua vida.
Então e agora?
Observar, que mais? Se todas as respostas podem ser encontradas num olhar...
Mas não há olhar. Os outros olhos estão ainda fechados e para eles tudo ainda é silêncio.
E no olhar atento sobe e desce agora o peito apaixonado. Cada linha é deliciosa e demoradamente observada. Cada centímetro de pele é examinado exaustivamente.
Então outro olhar desperta e tudo deixa de ser silêncio para os dois. E não há mais Natureza em volta. Só dois olhares tornados num.
Bom dia.

sexta-feira, agosto 04, 2006

Off I go para o primeiro fim de semana longe de tudo, deste ano.

No meu interior, de todos os estados em que a minha alma pode estar, aquele que mais detesto não é a tristeza ou a solidão, mas sim aquele que não consigo descrever.
Há um estado em mim que me aparece de tempos a tempos e que me é impossível transmitir o que quer que seja dele.
Talvez por não ser algo meu. Vejo-me nesta situação, quase sempre, perante a situação dos outros. Ao ver ou sentir a obra de alguém, realizada sob determinado estado de espírito do artista, sinto este espírito atacar-me.
É indecifrável. É uma espécie de semi-identificação com aquilo que alguém está a descrever de alguma forma. Seja através de um filme, um texto ou um livro, uma música, uma tela, o que quer que seja. Quando depois de ter contacto com a obra, me sinto naquele estado que não consigo descrever, nesse momento percebo que nunca esquecerei aquilo que me colocou lá. Serei sempre capaz de o rever uma e outra vez e sempre me deixará na mesma indescritível situação.
É o meu lado masoquista que fala nessas alturas. Porque é para mim, alguém que passa toda a vida a letras, é uma tortura quando não se consegue descrever algo. E ao mesmo tempo, é um prazer enorme sentir-me tocado pelo trabalho de outro. Infelizmente, não é algo que posso experienciar muitas vezes. É um pouco como o melhor orgasmo da nossa vida. Curto, mas muito, muito intenso. E raramente o atingimos.
É isso mesmo que sinto nessas alturas. Um orgasmo do ágape. O clímax do ser.
Por vezes sonho e desejo que alguém, algum dia, nalgum lugar, tenha uma sensação similar após contacto com algo que eu venha a produzir.
Um dia vou conseguir.

quinta-feira, agosto 03, 2006

A vida é feita de mudanças.
Não, isto soa demasiado a cliché.
A vida é um conjunto de mudanças.
Muito melhor. Não é horrível quando os clichés estão certos? Principalmente aqueles que desafiam a nossa preguiça pessoal.
A inércia é a característica física mais odiada. A resistência às mudanças de situação é tortura para todos nós, quando a mudança é inevitável. E quanto maior a massa, maior a inércia, e mais custam as alterações. Tão simples como isto.
Não é horrível quando a Física tem razão?

quarta-feira, agosto 02, 2006

Vejo o punho do indivíduo a vir na direcção do meu nariz desprotegido. O impacto é inevitável. Fecho os olhos e gemo de antecipação.
Mal sinto o impacto. Volto a abrir os olhos e vejo nos olhos do meu adversário toda a raiva que ele acaba de desferir em mim. É horrível o olhar da raiva. Vejo o raiar do sangue nos olhos. E sinto nos meus o mesmo raiar a fluir.
Levo lentamente a mão ao nariz e fecho os olhos assim que o toco para apurar o tacto. Parece-me sentir um fluído entre os dedos, já desconfiava deste resultado. Abro os olhos e confirmo o sangue que me cobria agora os dedos.
Cerro o punho. Aquele esgar violento cresce em mim, consigo sentir o pulsar das veias da testa, da garganta, até o leve latejar dos meus olhos que agora não são mais que duas esferas avermelhadas e profundas.
Todos os meus músculos flectem preparando-se para o embate. Armo o braço como se me preparasse para lançar uma flecha. Mas não tenho arco e a flecha é o meu próprio braço. Sinto-o a ganhar velocidade e a fugir ao meu controlo.
Nos olhos do outro homem vejo fugazmente um olhar de medo. Rapidamente substituido por um sorriso fanfarrão de confiança.
O meu ataque tira-lhe rapidamente o esgar enervante. Misturado com o meu próprio sangue que já tinha nos punhos, tenho agora também o do meu oponente.
Olho enervado para dentro de mim próprio. Como fui capaz? Como é que alguém é capaz de fazer uma coisa destas? Vejo o meu adversário no chão. Aparentemente, a raiva não me permite controlar a força. Desmaiou com o meu ataque e para além do nariz que lhe parti, jorra sangue da sua nuca. Bateu com a cabeça no chão enquanto caía, não tive culpa.
Mancha irremediavelmente o chão. Ouço a sirene da bófia, só penso em sair dali. Mas paro por momentos a contemplar o resultado do meu punho. E não consigo deixar de sentir prazer ao ver o resultado da minha acção. Fujo então.
Afinal sempre é verdade o que dizem. Todos temos um lado sanguinário.

terça-feira, agosto 01, 2006

Repentinamente vejo a ligação invisível que há entre duas pessoas. Ela está lá e é tão palpável como as teclas do computador portátil que carrego agora.
É vermelha, como não podia deixar de ser. Parece que todos aqueles publicitários de Armani sempre tinham razão. É como uma luz vermelha atravessada por um raio. Ilumina toda a sala. É forte.
É contagiante. Repentinamente toda a gente nessa divisão parece avermelhada. Vêm-se faíscas mais pequenas entre inumeras pessoas querendo imitar aquele grande raio de luz.
É magnética. Toda a gente reage perante ela de alguma maneira. É mais que uma ligação, é mais que uma luz ou um raio. É simplesmente a ponte de dois corpos pertencentes à mesma alma.
Afinal o amor pode ser visto. Quem disse que ele não existia?
É uma ponte de luz vermelha que une as duas metades da mesma coisa.