domingo, março 26, 2006

Fujo por entre as gentes para me refugiar num copo. O empregado olha para mim, enquanto me serve um martini bem medido, com olhar cúmplice. Sorrio de volta. Tanta gente pseudo-sofisticada, copos na mão, tapas de caviar na outra. Riso bem medido, afinal ainda nem são três da tarde, não deu tempo para ninguém se revelar com o alcool. Eu mesmo me sinto um pouco snob com o meu martini e olhar inquisitivo. Mas isso trata-se. Este já foi, venha mais outro. Ainda são aperitivos mas já há pessoas a rir sem preconceitos, abraçados a amigos de longa data e a deixarem-se ser quem são na realidade. Outro copo. E começo a sentir-me mal com o meu ar de observador. Quase que me começo a sentir superior. Detesto isso. E venha mais um copo para me lembrar de quem eu sou. Já começo a conversar alegremente com toda a gente e toda a gente é conhecida. Já começamos a cercar os empregados com os bolinhos de bacalhau. E venha mais um copo para não arrefecer. E com o avançar da festa toda a gente se permite ser quem é. Já não vejo mais pseudo-sofisticados como eu (se é que existe alguém que se possa chamar de sofisticado neste mundo), já não há mais snobs como eu, nem mais ares superiores como eu. Lentamente toda a gente se torna igual e toda a gente se diverte, porque é para isso que servem as festas.
Mas venha mais um copo que este já está no fim.

sexta-feira, março 17, 2006

Ouço a chuva a bater na janela e o vento a assobiar por entre os prédios. Sim, por entre os prédios, não me enganei. Afinal, já não restam muitas árvores para que o vento assobie por entre elas.
É de noite, quer dizer, pelo menos está escuro. Não sei que horas são nem tenho pressa de saber. O tempo é uma ilusão.
Estou sozinho em casa. Grito para as paredes para me sentir acompanhado pelo seu eco. E recebo o eco mas continuo sozinho em casa. E continua a chover lá fora e o vento continua a soprar e a falta de claridade permanece.
Sinto que não faço a minha parte para que tudo permaneça como está mas o mundo gira apesar de mim. Sinto que não estou a ocupar a minha posição na vida mas ainda assim a vida persiste.
E a "Chuva Oblíqua" do Fernando intensifica-se. O ruído ensurdecedor das paredes caladas é temperado pelo ruído relaxante da água nos vidros.
Acho que vou lá para fora. Para a chuva, para o vento, para o escuro. Já não me aguento protegido em casa. E se estivesse cá mais alguém já não me aguentava também.
Estou farto de estar protegido quando a vida passa lá fora.

Escondo-me naquele sítio meu para fugir da vida. Aquele sítio que ninguém conhece, é só meu de mais ninguém.
Vou para lá chorar porque o mundo não suporta um homem que chora.
Vou para lá rir porque um riso alegre é um atentado à miséria dos outros.
Naquele sítio onde ninguém me vê passo os meus dias preocupados. Os meus dias relaxados. Se pudesse, passava a minha vida lá, naquele sítio que só existe para mim.
Não há lugar no mundo como aquele. Nos dias maus é tudo o que preciso e nos dias bons é repouso da minha memória.
Há um sítio só meu no mundo e eu não o vendia nem por toda a riqueza do Universo.
Porque o teu coração não tem preço.

sábado, março 04, 2006

Quero poder. Ter numa mão a vida e noutra a morte. Escolher o meu futuro e o meu destino. Controlar o que pode ser controlado e o que está fora do controlo humano.
Tenho sede de poder. Beber de um grande cálice a responsabilidade do mundo. Sentir o frio das grandes decisões. Ser respeitado. Ser venerado.
Quero ser grande. Maior que o mundo, as casas e as gentes. Maior que a vida e que a morte.
Quero dominar. Os mares, oceanos, a chuva e o vento. O mundo. Com um sopro derrubar os castelos, não os de cartas.
Quero... Mas quem é que eu estou a enganar? Não quero nada disto... não tenho em mim ambição, nem egoísmo, nem sonhos de grandiosidade. Não quero ser maior do que nada nem do que ninguém, quero ser menor, passar despercebido na multidão. Não quero dominar os mares, a chuva e o vento, quero mergulhar no oceano, andar à chuva e correr como Bóreas.
Quero poder, sim. Poder desfrutar da vida e do que ela me dá. Não sendo maior nem omnipotente mas antes sendo grande enquanto pequeno. Porque o que eu sempre quis ser foi ser pequeno.