Embalado pelo cheiro do álcool e também pelos seus efeitos, ele começa a escrever. Uma a uma, vai carregando nas teclas do seu computador portátil. Uma a uma, vão-se formando palavras no seu monitor. Depois, frases, parágrafos. Por fim um texto completo que nem o seu autor sabe do que trata.
Desde sempre que quisera ser um escritor. Pelo menos desde que pela primeira vez sentiu o gosto de criar algo com palavras. E desde sempre o tentara. Mas tudo o que escrevia acabava por ficar sempre algo aquém daquilo que pretendia ter escrito. Talvez fosse o seu lado auto-censor que acabava sempre por sabotar tudo o que imaginava. Talvez fosse o seu espírito criativo que estivesse sempre à sombra das grandes obras que lera. Muito provavelmente era simplesmente o seu medo de falhar.
Há pouco tempo atingira-o um daqueles bloqueios de escritor que tanto se ouve falar nos filmes. Passou bastante tempo sem escrever nada. E sem escrever nada se sentiu mais perto de ser escritor. Descobriu então o que a palavra significava.
Escritor não é a pessoa que escreve um livro. Não é alguém que escreve um poema. Não é alguém que gosta de escrever. Escritor é alguém que tem bloqueios de escritor. Pelo menos pensou assim para se defender da realidade, durante algum tempo.
Um dia, embalado pelo sabor de um martini, chegou a nova conclusão sobre o significado da palavra. Escritor é alguém que está permanentemente sob a influência de álcool enquanto escreve as suas obras primas, pensou. E enquanto pensou isto sentiu-se bem ao olhar para o seu copo quase vazio de martini. Quando a bebida acabou, percebeu também que ser escritor não tinha nada a ver com isso.
Num dia qualquer, atingiu-o aquilo que ser escritor deveria querer dizer. Percebeu finalmente que ser escritor nada tinha a ver com o facto de se sofrer das mesmas maleitas que os ditos sofrem, nem de beber os mesmos líquidos que eles bebem. Percebeu que ser escritor era viver a vida como um livro; ver tudo como se a vida estivesse descrita por palavras; descrever mentalmente cada momento vivido e cada emoção sentida; rodear-se das suas personagens favoritas para conversar; viver as aventuras para poder contá-las a alguém. Percebeu finalmente que para ser escritor, é preciso viver.
Então, nesse dia, escreveu. Mas manteve o copo de martini ao lado, just in case.

quarta-feira, agosto 09, 2006
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