Enquanto entrava na divisão de um casarão que me era estranho, vi o reflexo da lua cheia por entre uma janela entreaberta, cegando os meus olhos habituados a uma escuridão confortável. Assim que consegui novamente ver, vi-te sentada a um canto, soluçando. A atmosfera musical à nossa volta era a mais bela de todas, o silêncio. Olhaste-me nos olhos assim que pressentiste a presença de alguém naquele quarto tão teu como meu. Levantaste-te de um salto e começaste-te a dirigir em minha direcção, calmamente, torturando-me com um futuro imprevisível. Assim que foste iluminada pelo luar da lua cheia, vi no canto dos teus olhos uma lágrima envergonhada e sofrida. Estremeci com a noção da tua humanidade. Estavas cada vez mais perto e cada vez andavas mais devagar. A lágrima que se escondia no canto dos teus olhos escorregou pela tua face, envergonhada dos erros cometidos. O sorriso envergonhado foi-se alargando, ocupando a largura da tua cara, mostrando o arrependimento e a certeza de melhores tempos. Já sentia o teu perfume como não sentia há tanto tempo, perto de mim. Podia quase que ouvir o teu coração a bater mais e mais forte a cada passo que te aproximavas de mim.
A sala permanecia escura à nossa volta, iluminada apenas pelo ténue luar da lua cheia, fantástica e grande naquela noite. A música silenciosa tinha terminado, havia sido substituída pelo ruído dos teus passos e pelo bater do teu coração.
Finalmente chegaste ao pé de mim. Paraste por segundos. Eu não movi um único músculo, como aliás ainda não havia feito desde que tinha entrado naquela sala, ou quarto ou o que quer que fosse. Abraçaste-me num impulso com força que eu julgava que não tinhas e sussurraste-me ao ouvido um “desculpa-me” triste e amargurado, nu de orgulho. Respondi-te com um abraço forte e carinhoso. Foste balbuciando mais e mais “desculpa-me” e eu abraçava-te cada vez mais. Afastaste-te um pouco, sem te largares de mim. Olhaste-me novamente nos olhos, numa expressão de quem pede perdão. A lágrima envergonhada era agora uma torrente de água como eu nunca tinha visto em ti. Os teus olhos negros, misteriosos, penetravam nos meus, castanhos, alegres de te reencontrar finalmente. Aproximas-te a tua boca da minha, lentamente, e os teus lábios tocaram os meus, a medo, num beijo de perdão, de tristeza e insegurança. Olhaste-me uma vez mais nos olhos, como que a perguntar se estarias a fazer a coisa correcta. Beijaste-me novamente, desta vez mais segura, mais apaixonada, num beijo mais longo e sentido. Fechavas os olhos enquanto me beijavas, martirizando-te por não o teres feito mais cedo. Sentamo-nos no sofá manhoso que estava no canto daquele casarão desconhecido, e permanecemos toda a noite, abraçados, trocando histórias e razões para não nos termos rendido mais cedo.
E desde que havia entrado naquela sala, eu não consegui deixar de pensar em como estava a lua bela naquela noite. Quase tão bela como tu.
Livre tradução e adaptação de um texto que escrevi aqui anteriormente em Inglês feita para o Escreva!, num dos desafios do mês. Pareceu-me adequado ao momento. E é um dos meus textos preferidos.

quarta-feira, janeiro 05, 2005
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